Sob o Sol

Sobre o que vou escrever? Ainda nao sei. Talvez sobre tudo sob o Sol...

18/11/2005

Distúrbios na França

Em alguns artigos de jornalistas e colunistas brasileiros, começa-se por falar dos problemas dos subúrbios de Paris referindo que os jovens revoltosos vivem confortavelmente, estando a sua pobreza relativa longe dos "padrões de pobreza" do Brasil. Essa é uma informação (...ou afirmação? Haverá uma diferença?...) útil para quem desconhecer completamente a realidade francesa, mas como afirmação, parece esquecer o essencial:

Nem só de pão vive o Homem, mas de dignidade e respeito.

Dignidade é um sentimento de valor que pode derivar do respeito encontrado à sua volta, pelo que a frase seria passível de simplificação, mas parece-me soar melhor desta forma.

Os jovens dos subúrbios franceses podem não passar fome, mas talvez tenham fome de respeito, de um papel na sociedade que lhes alimente o amor próprio, em vez de fazê-los sentirem-se cidadãos de segunda. Pode ser verdade que diferentes culturas e nações lidaram de diferentes formas com a discriminação. Poderá alegar-se que outros imigrantes (os portugueses, por exemplo) também estiveram sujeitos a discriminação e a serem relegados para lugares sociais menos desejáveis, mas nem por isso cederam à tentação da revolta, e a prazo (no prazo de 1 ou 2 gerações, geralmente...) conseguiram uma boa integração.

Mas poderá comparar-se a discriminação dirigida a um português com o mesmo tom de pele, a mesma religião e visão de mundo dum francês, à discriminação dirigida a um árabe, muçulmano, ex-colonizado?

20/12/2004

Fazer as pazes

É de bom senso que certas coisas devem ser ditas pessoalmente. Ou que outras devem ser deixadas por escrito, ou que ficariam complicadas de explicar por escrito. Acaba sendo uma questão de qualidade de comunicação e, ao mesmo tempo, de adequação do meio à mensagem.

Tratando-se de clareza, nada melhor do que uma conversa pessoal. Tem-se o feedback instantâneo da expressão facial do nosso interlocutor. Se isso não for possível, um telefonema sempre preserva o tom de voz. Já a escrita "congela" a mensagem, permitindo uma preparação ou análise mais cuidadosa, mas se o sentido for ambíguo ou as palavras mal escolhidas, só tenderá a prolongar os danos.

Uma comunicação prolongada por escrito pode acabar acumulando mal-entendidos suficientes para pôr em risco uma amizade. Já o verifiquei em várias ocasiões. Infelizmente esqueço-me disso demasiado facilmente e volto a cair nesse mesmo erro.

Vários mal-entendidos depois, Paulo e P1 (cf. o post anterior, "To Care") fizeram as pazes, com uma conversa pessoal, poucos dias atrás. Fazer as pazes é algo muito bom. Mesmo que não resolva todas as questões ou dissipe todas as dores, vale pena. A vida fica melhor, quando estamos em paz com mais uma pessoa. Especialmente se for uma pessoa importante.

06/12/2004

To Care

no sentido de, ao mesmo tempo, gostar de e preocupar-se com alguém, é um verbo que não tem uma tradução cómoda para o português. "Querer bem a" seria próximo, mas soa antiquado ou demasiado melodramático.

Seja como for, às vezes pequenas coisas revelam de forma gritante a diferença entre quem tem ou não por nós esse sentimento.

Eis duas conversas telefónicas que tive recentemente com duas pessoas, chamemos-lhes P1 e P2 (vício de quem estudou matemática por tempo demais...):

P1: E como você tem passado?
Eu: Mais ou menos
P1: O que é "mais ou menos"
Eu: Umas vezes "mais para mais", outras vezes "mais para menos"...
P1: O que é o mais?
Eu: É [etc. etc. etc.]

Eu: [silêncio esperando por "O que é o menos"]
P1: Eu tenho passado muito bem [etc. etc. etc.]

Essa conversa deixou-me uma certa tristeza, mas o momento que realmente me abriu os olhos veio com a segunda conversa, passados um ou dois dias ...

P2: E você, como tem passado?
Eu: Médio, com alguns altos e baixos...
P2: Quais foram os baixos?
Eu: [30 segundo de silêncio, face à súbita evidência de uma abismal diferença, revelada por uma ou duas palavras]
P2: Alô?
Eu: Sim... Desculpa, estava pensar... [etc. etc. etc.]


Mais palavras para quê?...

16/10/2004

Comentários

Pouco depois de criar este blog, criei uma conta de e-mail, com um nome parecido, para receber comentários. Mas, à míngua deles, a conta foi desactivada. Por isso acabei substituindo esse endereço por outro que uso mais frequentemente.

Ou talvez eu ainda venha a pôr a funcionar o mecanismo de comentários on-line.

14/10/2004

Razão e paixão

O Augusto emprestou-me um livro de matemática (Elementos de Álgebra, de Arnaldo Garcia e Yves Lequain), e na página de dedicatória encontrei um belo poema. Trata-se de um samba-choro da autoria de Paulinho da Viola e Ferreira Gullar.

Depois de uma discussão por telefone, amistosa mas acalorada, com a minha amiga Mila, em que vieram ao de cima as diferenças de visão típicas entre alguém formado em exactas e alguém de humanísticas, entre um homem e uma mulher (para "agravar" as diferenças!), nada mais apropriado...


Solução de Vida
(Molejo Dialético)

Acreditei na razão
E a paixão me mostrou
Que eu não tinha razão

Acreditei na razão
E a razão se mostrou
Uma grande ilusão

Acreditei no destino
E deixei-me levar
E no fim
Tudo é sonho perdido
Só desatino, dores demais

Hoje com meus desenganos
Me ponho a pensar
Que na vida, paixão e razão
Ambas têm seu lugar

E por isso eu lhe digo
Que não é preciso
Buscar solução para a vida
Ela não é uma equação
Não tem que ser resolvida

A vida, portanto, meu caro,
Não tem solução


09/10/2004

As dores do amor

Fez ontem dois meses que terminei o namoro mais longo que tive. Dois meses podem mudar muita coisa. E acho que foi esse o tempo necessário para eu sentir plenamente a dor da ausência. Uma dor que eu provoquei.

Palavras para quê? Só o tempo, agora. Só o tempo terá a última palavra.

25/09/2004

Coisas que nem ao diabo lembram...

Em artigo da edição 1665 do Expresso:

Em 1997, um padre de Alkemade (uma pequena aldeia a 30 km de Haia) foi condenado a um ano e meio de prisão por abuso sexual continuado de uma rapariga de 12 anos. Os pais da vítima reclamaram uma indemnização por danos imateriais. A Igreja Católica, para evitar um caso em tribunal, pagou 56.800 euros - sempre na convicção de poder reclamar esse dinheiro junto da sua seguradora. Porque, tecnicamente, o abuso sexual deveria ser considerado um «acidente de trabalho». Na visão da Igreja, o contacto sexual indesejado teve lugar «durante o horário de trabalho» do padre, e também «no local de trabalho». Por fim, a Igreja argumenta que não houve intencionalidade.

...Sem comentários!

22/08/2004

Uma visão de mundo naturalista...

Um ateu na Europa ocidental é só mais um de entre muitos ateus, agnósticos e indiferentes. Um ateu no Brasil é um de entre 2% da população, ou até menos. E pelos vistos, nos EUA a situação é semelhante.

É curiosa essa diferença cultural entre o velho e o novo mundo. Mas não ambiciono a explicar tal fenómeno num mero blog. O que descobri foi que surgiu recentemente nos EUA um movimento de ateus procupados com a sua exclusão dos cenários de decisão da sociedade americana, e resolveram introduzir um neologismo para amenizar o impacto do termo "ateu".

Assim, o verbo não se fez carne, mas o adjectivo fez-se nome, e bright deverá passar a ser uma designação mais light para ateus, agnósticos, descrentes, infiéis, humanistas e livres-pensadores, cansados de definições pela negativa e de associações de ideias com imoralidade, amoralidade, etc.

O processo de passar um adjectivo a substantivo para formar um neologismo não é novo. Aconteceu por exemplo com green/verde, com gay...

A principal dificuldade é que o adjectivo bright poderá neste caso fornecer material suficiente para trocadilhos e acusações de pretensão. O tempo o dirá. Mas à falta de uma alternativa melhor a propor, vou acrescentar esse termo ao léxico potencialmente útil para uma auto-definição.

13/02/2004

Uma frase sábia

Encontrei uma citação com a qual me identifiquei imediatamente:

Sed fugit interea, fugit inreparabile tempus, singula dum capti circumvectamur amore

(Quisera abranger tudo, e tudo me convida; mas o tempo é fugaz, e curta e incerta a vida)

Parece que é uma frase de Virgílio, numa das suas obras (Geórgicas, 3, 284), traduzida por António Feliciano de Castilho.

26/01/2004

Ferramentas de software III - Bases de Dados de Formato Livre

As free-form databases, embora tenham um nome sonante, são geralmente pouco mais que editores estruturados, com funcionalidades de busca, links de hipertexto, etc. Em sites de shareware, recebem essa primeira designação, ou senão a de PIMs (Personal Information Managers).

Os que achei mais interessantes foram os que permitem a organização hierárquica de temas, em especial:

1) TreePad: O mais rico em funcionalidade. Permite gerar até albuns de fotos e catalogar discos (à la catalogadores de arquivos). É shareware, mas tem também uma versão Lite, gratuita.

2) MyBase: Parece-me ter a interface gráfica mais elegante, e quase tanta funcionalidade quanto o TreePad.

3) KeyNote: opensource, com menos panache, mas ainda bastante funcionalidade.

Todos eles permitem encriptar as anotações, inserir links, imagens, etc.

Programas não baseados em estrutura hierárquica de dados, mas também potencialmente interessantes, são:

askSam: Lê e armazena índices para numerosos tipos de documentos (PDF, Word, etc.), para além de permitir inserção de dados através de formulários ou edição livre de texto. No entanto, a busca de dados parece ser apenas por texto.

Personal Knowbase: Baseado em palavras chave, a recuperação de dados parece prática, mas a criação de novos registos é mais formal.

Ferramentas de software II - Catalogadores de Arquivos

Procurava um software que me permitisse montar um catálogo de todos os CDs, disquetes, e HDs que tenho à minha volta, e me permitisse ainda classificar os conteúdos por temas. Encontrei essa funcionalidade sob diferentes designações:
CD/volume/file/media + catalogger/indexer/organizer/manager.

Encontrei e examinei cerca de meia dúzia de produtos: WhereIsIt, Advanced Disk Catalog, Advanced File Organizer, CD Catalog Expert, Broken Cross Disk Manager, CD Offline Browser, Media Universe.

Destes eu destacaria os seguintes:

1) WhereIsIt
2) Advanced File Organizer
3) Broken Cross Disk Manager

O primeiro é o que dispõe de mais funcionalidade. Uma profusão de plug-ins extrai numerosos detalhes dos mais variados tipos de arquivos. Possui até campos para registar empréstimos e a localização de medias. Permite aplicar categorias hierárquicas, mas na verdade não distingue entre "folhas" da hierarquia com nomes iguais.

O segundo não armazena tão grande profusão de dados, mas tem tudo o que é mais útil, e uma interface mais elegante, tratando melhor as categorias.

O terceiro faz uma leitura extremamente rápida de CD ou HD (talvez 5x mais rápida!). Mas embora permita definir categorias, não permite visualizá-las. Tem a vantagem de estar disponível também numa versão gratuita, um pouco mais antiga.

Qualquer um dos três permite também catalogar CDs de áudio e obter automaticamente os nomes das faixas de música através da Gracenote CDDB.

Ferramentas de software I

Uma coisa que me angustia é sentir que a desordem tomou conta da minha vida. Livros, revistas, CDs de dados e de música, arquivos e backups nos computadores, ideias na cabeça, tarefas na agenda...

Tento estancar a avalanche da informação, exorcisar os demónios da complexidade e domesticar as ideias e planos na minha cabeça ou na minha agenda, mas sem grande sucesso. Sinto que o computador, que tão familiar se tournou, deveria dar uma ajuda maior, mas ao resolver alguns problemas, cria outros tantos ou mais.

O computador, que deveria ser uma "bicicleta" do intelecto, uma alavanca, é na maioria dos casos, para a grande maioria dos mortais, pouco mais que uma máquina de escrever sofisticada, uma televisão, um livro, um rádio. Tudo utilidades que o computador fez evoluir, mas pouca coisa que revolucionou. Assim de repente, lembro-me do e-mail. Mas pouco mais, para a maioria das pessoas.

Para acalmar a minha ansiedade, e pôr ordem na minha vida, tenho procurado algum software mais específico e incomum, que hei-de descrever nos posts seguintes.

16/01/2004

Pintura antiga

Encontrei na internet um recurso impressionante sobre a história da pintura e escultura: a Web Gallery of Art. Trata-se de um site húngaro com uma grande riqueza de dados sobre pintores e escultores de entre os anos 1150 e 1800.

Dos poucos artistas que tive até agora tempo de consultar (todo o Caravaggio e parte de Rafael e Dürer), o material era de tal forma numeroso que talvez fosse a totalidade das obras conhecidas. Para além de repoduções das obras com razoável qualidade, o site contém também biografias dos artistas, comentários sobre muitas das obras, e alguns tours sobre temas diversos.

Tal riqueza de material, nomeadamente os comentários, foi coligida de numerosas fontes. Os autores do site têm o mérito de ter feito um bom trabalho de organização do material e criado assim uma valiosa referência de uso gratuito. Só espero que não tenham dores de cabeça causadas por fontes ciosas dos seus copyrights e habituadas e processar prevaricadores (a Microsoft Encarta aparecia entre as fontes utilizadas...)

15/01/2004

Depois de uma longa ausência...

...com as minhas férias, as férias da namorada, a sensação de demasiadas coisas para fazer, a pouca vontade de fazer muitas delas, eis que volto a escrever. Vamos ver por quanto tempo...

08/12/2003

Cinema

Fui há dias assistir a um filme inglês, Love Actually (que aqui no Brasil recebeu o título completamente piegas de Simplesmente Amor).

Acho que é uma boa escolha para "filme de Natal": boa história, divertido e com bons sentimentos q.b. Só haverá que dar algum desconto aos delírios patrióticos do realizador, projectados por exemplo na figura de um primeiro-ministro interpretado por Hugh Grant...

Também achei curiosa a recorrência de cenas em que um personagem abandonava a fleuma britânica por alguns escassos segundos, para ter um "xelique" ou dar pulos de contentamento, de preferência enquanto ninguém estivesse a ver. Dá a impressão de querer passar uma mensagem do tipo "estão a ver, parecemos frios mas também temos sangue nas veias"...

Outra "mensagem subliminar" autopromocional que achei interessante foi dada pelo número de personagens negros em lugares de destaque na história. Quando estive em Londres há uns anos atrás, realmente observava-se nas ruas uma sociedade multi-racial, mas ficaria surpreendido se a integração da população negra na sociedade inglesa fosse tão boa quanto a retratada no filme.

18/11/2003

Preacher

Acabei de ler os n.os 23, 25 e 26 da edição brasileira de PREACHER...
Man, it doesn't get any better than this!

Não há muito material que me deixe com um sorriso de orelha a orelha depois lê-lo!

10/11/2003

The Political Compass

Ocasionalmente leio A Bomba Inteligente, e lá encontrei a indicação de um teste curioso, sobre alinhamento político, o Political Compass.

Nunca liguei muito a testes de personalidade, por achar que conheço mais de mim do que esses testes poderiam pretender mostrar-me, mas sinto-me muito menos seguro em matéria de política, e por isso fiquei curioso em fazer o teste.

Ao fazê-lo, tive poucas hesitações em relação ao que pensava sobre isto ou aquilo. A maioria das dúvidas foram sobre como adequar algumas das minhas respostas ao que o(s) escritor(es) do teste tinham em mente -- Por exemplo, a uma pergunta como "Você acha que é bom uma sociedade ter abertura para discutir sexualidade, mas hoje em dia exagera-se", é-me difícil responder simplesmente com um concordo/discordo. O modo como a pergunta está feita dá a impressão que o escritor espera que um conservador responda sim e um liberal não. No entanto, embora nesse aspecto me considere liberal, acho que de facto há um exagero. Não na quantidade de discussão ou abertura, mas no facto de o sexo ter um aproveitamento mercantilista levado cada vez mais longe. É usado para vender livros, filmes, revistas, roupa, mas duvido que seja encarado de forma mais saudável ou lúcida.

Mas deixando de lado os "detalhes", os meus resultado do teste foram

Economic Left/Right: -3.88
Libertarian/Authoritarian: -4.72

Ou seja, economicamente sou de esquerda moderada, e sou também um liberal moderado. Ao comparar os meus resultados com os presumíveis para algumas personalidades globais, senti-me lisonjeado: fiquei a meio caminho entre Nelson Mandela e o Dalai Lama!

01/11/2003

Politicamente correcto

Hoje veio-me à cabeça um pensamento aleatório, enquanto estava na fila dos correios para mandar um postal.

Ocorreu-me o quanto o palavreado politicamente correcto, ao tentar ser delicado, acaba ficando oco e desprovido de significado. Por exemplo, o uso de "visually challenged" como sinónimo de cego. Seria mais lógico usar para isso o termo "auditively challenged", uma vez que para um cego o desafio é reconhecer e descodificar auditivamente o mundo ao seu redor. O desafio visual, esse, foi perdido.

Voltei!

Passaram voando, dois meses de afastamento. Algumas semanas passadas literalmente sob o Sol (coisa que há muito eu não fazia), e mais um par de semanas de viagem a trabalho. Depois disso, e de mais 3 ou 4 semanas de tempo-de-menos/inércia-demais, regressei à escrita deste humilde blog...

02/08/2003

Cinismo II

O João Gonçalves, do Portugal dos Pequeninos, respondeu de forma educada às minhas críticas e ao meu e-mail. Por isso não gostaria que o título que dei a este post fosse entendido como uma ironia ou classificação da resposta dele, mas apenas como indicação de continuidade do tema.

Mas gostaria ainda de comentar algumas das respostas que ele publicou.

Quando eu disse que achei injusto descrever a solidariedade com Timor como "baba" e "folclores de rua", o Portugal dos Pequeninos respondeu que utilizou uma caricatura, e quando objectei a expressões como pretas [montadas] à fartazana, o PdP respondeu

Mais uma vez ao Paulo escapou o sentido da metáfora. Concedo que a expressão é forte, mas sobretudo julgo que é realista, e obviamente não generalizadora.

É verdade, são caricaturas e metáforas, mas isso por si só não torna essas afirmações mais ou menos aceitáveis. A maioria dos insultos baseia-se em caricaturas ou metáforas. Se eu disser "fulano é um burro" ou "sicrano é um anjo", ambos podem ser considerados caricaturas ou metáforas, por isso uma classificação morfológica ou estilística das palavras não basta para torná-las apropriadas. E também não me parece nada óbvio que a segunda expressão tenha sido realista e não generalizadora.

(...) gostava de ter visto, ou de ainda poder vir a ver, manifestações idênticas por, por exemplo, Angola. Que eu saiba, a miséria, a fome e a corrupção que ali grassam desde 75, não comoveram ainda ninguém tão intensamente.

Isso é um facto. Imagino que o arrastamento da guerra e a evidente corrupção e cupidez das facções envolvidas levem a que a maioria dos observadores acabe culpabilizando o povo angolano pela situação em que está, e solidarizando-se menos com ele. Ainda que a maioria desse povo seja na realidade vítima da situação.

O regime que, como sabe, tratava as colónias por "províncias ultramarinas", é que equiparava as coisas, não querendo que se distinguissem estas das "da metrópole". Como, de facto, não estava, nem no Minho, nem em Trás os Montes, o que se seguiu, depois de 1960, é conhecido.

Naturalmente que esses portugueses consideravam as colónias o seu "lar", com tudo o que essa carga semãntica implica. O problema é que, a partir de determinada altura, os autócnes começaram a não gostar mesmo nada daqueles "senhorios" ou mesmo "arrendatários".


Não acho essas relações de causa-efeito sugeridas pelo PdP nada evidentes. Acho até que a colonização portuguesa pode ter sido, pelo menos nesses princípios, "menos ruim" que outras, segregacionistas e depredatórias.

O problema é que entre princípios e práticas, o fosso poderá ter sido grande. E, problema ainda maior, mesmo a aplicação perfeita desses princípios não teria sido suficiente para tornar o colonialismo aceitável a longo prazo para as populações colonizadas.

28/07/2003

Spam

Tento evitar coisas que me levem a receber "spam", mas mesmo assim ele continua a chegar. Deve ser estar naquela categoria a que pertencem a morte e os impostos, a das coisas inevitáveis....

Hoje, recebi um exemplar que chegou a ser divertido. Era o anúncio de um tratamento para aumentar o tamanho do pénis. Não foi o primeiro que recebi, mas este, para além das promessas habituais (mais autoconfiança, mais satisfação), prometia orgasmos mais intensos, controle total da erecção e uma "bigger load every time you ejaculate". Uau!

A "jóia da coroa", no entanto, foi o apelo pungente:

"STOP WASTING YOUR TIME!! ENLARGE YOUR PENIS TODAY!!"

Façam-me um favor, vamos todos parar de perder tempo, e vamos aumentar os nossos pénis. Mulheres, aumentem o pénis mais próximo, ele vai agradecer!

O que é correcto?

O "post" anterior deixa-me uma dúvida: o que é mais correcto fazer agora?

Publicar a crítica neste blog e deixar ao acaso que alguém a leia e, eventualmente, chegue um dia ao conhecimento do autor do texto que critiquei?

Ou enviar um e-mail ao autor, para que ele tome conhecimento, e se quiser me responda?

A segunda alternativa só me desagrada por uma razão: sou um desconhecido, o meu blog foi começado há pouco tempo, e o dele é conhecido, talvez mais do que o meu alguma vez será. Detestaria que isto fosse interpretado como uma estratégia do tipo "atacar alguém famoso para ficar famoso". Não quis atacar alguém, mas sim criticar um texto que me pareceu desagradável. Tampouco faço questão de ser famoso (mas também não vou ser hipócrita e dizer que não seria agradável -- desde que por uma boa razão!).

Mas fora a questão da "fama", se me dei ao trabalho de começar a escrever um blog, foi por duas razões:
1) Gosto de escrever, e suspeito que só escrevendo com frequência se fica bom (ou pelo menos melhor).
2) Vi que havia discussões interessantes na blogosfera, e senti vontade de fazer parte da roda de discussão.

Pois bem, para fazer parte da roda de discussão, parece-me que será um bom começo "abrir a boca". Anos de timidez ensinaram-me que normalmente demora muito até nos pedirem a opinião, e que para quem se habitua a observar calado, a dificuldade de quebrar esse hábito aumenta exponencialmente com o tempo.

Vou enviar esse e-mail. E fica ao critério do criticado responder ou não, e caso responda, se será em público ou em privado.

Cinismo

Numa das minhas leituras do Abrupto vi uma referência sobre música árabe, que segui para um outro blog, o Portugal dos Pequeninos. Neste li algumas coisas mais, ao acaso, tendo o tom geral me parecido crispado e sarcástico em demasia, mas não muito mais que a média de outros blogs que já li. No entanto, houve um texto que me desagradou particularmente, e onde me pareceu que o autor tinha perdido a noção do respeito mínimo pelas pessoas e usado termos muito desagradáveis, generalizações grosseiras sobre milhares, ou milhões, de pessoas. Não chego a fazer parte desse rol, mas ainda assim acho que é desagradável, e se justifica dar algum "feedback" ao autor.

Refiro-me ao texto "A Herança", de 16/07/2003. Nele o autor fala da situação africana, dos pedidos de desculpas estatais apresentados com décadas ou séculos de atraso e da colonização portuguesa em África. Há vários pontos que me pareceram particularmente desagradáveis:


A solidariedade com Timor foi descrita como "baba" e "folclores de rua"
Acho isso muito injusto para com as pessoas envolvidas. Certamente que haverá envolvimentos mais ou menos sinceros, mais ou menos sentidos, e mais ou menos esforçados, mas será sempre melhor que a simples indiferença. E mesmo que o apoio prático não tenha coberto tanto quanto os timorenses precisavam, certamente que eles não menosprezaram esse apoio, da forma que o "Portugal dos Pequeninos" fez.

Os pedidos de desculpa foram classificados como "patéticos"
Concordo que é impossível que os pedidos de desculpa reparem os males praticados. Mas só o(s) destinatário(s) desses pedidos pode(m) julgar se ele é necessário ou não, desejável ou não, útil ou não. Por exemplo, eu vivo actualmente no Brasil, onde existe uma proibição de piadas sobre negros, coisa que durante muito tempo achei um tanto ridícula. "Na prática, de que lhes serve isso", pensava eu, "seria mais útil uma medida concreta, como a criação de cotas para o acesso ao ensino superior ou a cargos públicos, etc". Mas mesmo sobre essa parca medida, relativa às piadas, acabei concluindo que não tenho como avaliar isso. Não sei qual o efeito que isso tem sobre a auto-estima de milhões de pessoas, e sobre o respeito que foram adquirindo. Posso fazer muitas suposições, mas não posso sabê-lo de facto, não posso sentir o efeito, sendo eu branco.

A presença de Portugal em África foi equiparada à presença no Minho ou em Trás-os-Montes
Parece-me muito estranho falar de "presença de Portugal" no Minho ou em Trás-os-Montes, que desde sempre foram parte integrante de Portugal, e onde não consta que haja movimentos separatistas. E admitindo que esta presença, ainda que não seja épica ou gloriosa, não será assim tão terrível, porque seria negativo que a presença em África fosse imbuída do mesmo espírito?

Os portugueses em África foram classificados em bloco como paternalistas e interesseiros
Mais uma vez, parece-me uma generalização excessiva. Mesmo que isso fosse verdade para a maioria, haveria ainda um número significativo que consideravam a África como o lar, mais do que a metrópole.

A miscigenação foi descrita como imposta por Salazar e resultando em "pretas [montadas] à fartazana"
Acho que o que eu já disse antes sobre generalizações e respeito aplica-se em dobro a esta afirmação. Respeito pelas mulheres africanas e suas famílias, respeito por aqueles portugueses que não encaravam as coisas dessa forma, respeito até por Salazar, que podia ser um ditador, mas não consta que fosse um grosseiro. Também duvido que seja rigorosa essa afirmação simplista de que "Salazar impôs a miscigenação", mas deixo essa questão para quem souber mais de história colonial que eu.

Os retornados das ex-colónias foram um "resultado (...) despejado em contentores nos cais de Lisboa"
Uma vez mais, há uma questão de elementar respeito pelas pessoas. Pessoas não são "resultados", e pessoas não são "despejadas em contentores".

"(...) uma profunda e terrível miséria moral e material, sem fim."
Também aqui o "Portugal dos Pequeninos" faz afirmações categóricas, definitivas e totalmente indiferentes aos sentimentos das muitas pessoas que têm consciências dos problemas existentes, mas que têm ainda esperança.

Enfim, pedidos de desculpas podem ser patéticos, mas são certamente melhores que um texto tão repleto de cinismo. Espírito crítico é importante, e o "Portugal dos Pequeninos" tem-o de sobra, mas não deve esquecer o elementar respeito pelos outros.

Mas creio também que, infelizmente, este problema está longe de ser monopólio do PdP. O Abrupto tem uma frase, de 17/7/03, que descreve isso bem, como sendo "essa irritação tão à flor da pele que se encontra em muito blogues disfarçada de convicções".

26/07/2003

Pensamentos mórbidos

Li há pouco um post no blog dum vizinho meu, o Augusto, sobre alguns pensamentos dele sobre a morte. Chamá-los de "pensamentos mórbidos" é correcto, etimologicamente, mas um pouco forte, pelo quanto que o termo tem de identificação com "doentio".

Uma vez por outra também tenho o mesmo tipo de pensamento. Enfim, creio que não mais que o comum dos mortais. Talvez um pouco mais, ultimamente, porque morreu há pouco tempo uma amiga minha. Mas não me apetece falar disso aqui.

Queria só deixar uma palavra amiga para o Augusto e dizer-lhe que espero que esses pensamentos não sejam sugeridos pelos problemas de saúde que ele tem, que podem ser incómodos mas, com o estado actual da medicina, não tornam a expectativa de vida dele menor do que a minha -- que deve estar na média, espero eu :-)

Lingua bífida

Cresci vendo muita televisão, quase indiscriminadamente, mas tive sorte que, ou porque eu era uma criança razoavelmente inteligente, ou porque a televisão não era tão ruim quanto é hoje, isso não me fez muito mal, e até me trouxe uma boa dose de cultura.

Reconheço, contudo, um efeito secundário: desde cedo fiquei bastante blasé; não me choco ou surpreendo facilmente em frente à TV. Emocionar-me, também não muito -- apesar de me parecer que, "com a idade", estou a ficar um pouco mais emotivo. Mas tudo bem, acho isso positivo, ainda me falta muito até entrar no domínio da pieguice.

(Isto do "blasé frente à TV" fez-me lembrar uma curiosidade que quero referir um dia destes no Aventura e Ficção -- porquê ficar pela nota mental se tenho o blog!)

Bom, toda esta introdução para dizer que vi hoje num noticiário uma coisa curiosa, que me apanhou desprevenido ao ponto de exclamar um "Puta que pariu" num volume que não é habitual em mim. Tratava-se de uma reportagem sobre um salão de exposição de tatuagens e piercings, algures numa grande cidade do Brasil. Não esperava ver nada que me surpreendesse muito. Afinal, depois de já ter ouvido falar ou mesmo ter visto algumas fotos de orgãos genitais com piercings, que mais haveria para fazer?

Pois bem, estavam a entrevistar um sujeito com um par de piercings no beiço inferior (deve haver uma palavra melhor que beiço, mas vocês percebem), e eu pensei "bof, trivial". Depois ele puxou com os dedos o lábio para baixo e mostrou uma palavra tatuada na pele interna do beiço e eu pensei "original, mas sem..."
Não tive tempo de terminar a frase. O sujeito disse um modesto "e ainda tem isto", escancarou a boca, esticou a língua e ABRIU-A, como se fosse uma língua bífida de cobra! Aquilo eu não esperava! Soltei um sonoro "PQP", que os meus vizinhos devem ter atribuído a um copo caído ao chão ou coisa que o valha, mas eu queria era que eles tivessem visto... O rapaz tinha a língua cortado pelo meio, talvez numa extensão de 3 centímetros. A língua é um músculo, e parece que mesmo com um corte daqueles mantinha algum funcionamento, porque ao mostrar a lingua ele espetava as pontas uma para cada lado, afastando-as talvez tanto quanto o Mr. Spock afastava os dedos na sua saudação de vulcano. E as pontas ficavam ligeiramente arredondadas. Guuuhhhh!

Fiquei um par de minutos aturdido com a visão e fui contar a um amigo que estava no quarto dele. Ele achou divertido, mas acho que não consegui transmitir bem a impressão que a imagem causava.

Passados mais uns minutos comecei a pensar de forma mais pragmática nas consequências... E as mulheres? Sim, porque se for dar um beijo numa mais desprevenida, e passado um pouco as línguas se encontrarem, e ela sentir de repente que o sujeito tem "duas línguas", e leva um valente susto! E as mais sensíveis e/ou religiosas fujirão berrando "vade retros"! Eh, essa ideia até que é divertida! Também deve dar para afugentar testemunhas de Jeová, só pondo a língua de fora!
Hum, e será que algumas mulheres mais ousadas ficariam com a curiosidade espicaçada? Será que as extremidade separadas são fortes o suficiente, por exemplo, para "abraçar" a outra língua? E se o sujeito fizer sexo oral a uma mulher, que possibilidades isso abre? Será que aquele já apanhou muitas na base da "língua afiada"?

20/07/2003

Blog Irmão

Ainda este blog mal nasceu, e já tem outro irmão, que acabei de criar. É dedicado, precisamente, às pequenas curiosidades que fui descobrindo ao longo da minha estadia naquele a que muitos portugueses chamam "o país irmão", o imenso Brasil.

Pareceu-me que sobre esse tema eu teria muitas pequenas coisas que escrever, e para manter a temática do "Sob o Sol" mais em aberto, resolvi criar um blog separado, mas próximo...

O blog recém-nascido chama-se "Aventura e Rotina", e para saberem mais detalhes, sugiro que vão até lá seguindo o link que está no cabeçalho deste blog.